Faz calor em Porto Alegre nesta noite
de dezembro, na última semana do ano de 1927. O amador de
radiotelefonia, como gosta de ser identificado, Pedro Carlos
Schuck tenta, em vão, sintonizar as estações de São Paulo, do
Rio de Janeiro ou de Buenos Aires. A estática é tão forte e
persistente que, como relataria em carta publicada no Jornal Diário
de Notícias, "raras vezes se ouvem os concertos, nem se
compreendendo o que dizem os speakers".
Dotada,
provavelmente, do melhor equipamento da cidade, a estação
receptora e transmissora Sb-3AA de Schuck era a única legalizada no
Rio Grande do Sul. A qualidade do então chamado "aparelho
radiotelefônico" e da antena não garantia, no entanto, uma
recepção de boa qualidade no verão, caracterizada como "a
estação inimiga do rádio", devido às perturbações atmosféricas
deste período do ano. As dificuldades para os sem-filistas não
paravam por aí. Nos primeiros anos da radiodifusão sonora, ouvir
as deficientes emissões ou transmitir mensagens radiotelefônicas
exigiam um bom investimento e a passagem por uma série de
procedimentos burocráticos.
De
1924 a 1927, Pedro Carlos Schuck, que residia na Rua Dona Laura, nº.
3, era um dos poucos amadores de radiotelefonia de Porto Alegre.
Pelos
dados da imprensa, o número variou entre cem e trezentos, neste período,
quando modalidades de transmissão, posteriormente, bem-definidas e
separadas em ramos próprios - confundiam-se ainda.
Schuck,
colaborador assíduo da seção Radiotelefonia, publicada
semanalmente pelo jornal Diário de Notícias, relatava, com freqüência,
a captação de emissões provenientes de embarcações
(radiocomunicação), de particulares (radioamadorismo), de estações
telegráficas (radiotelegrafia) e de sociedades ou clubes de radiófilos
(as primeiras emissoras de rádio).
Para
obter a sua licença, em 1926, Pedro Carlos Schuck se submetera aos
exames da Repartição Geral de Telégrafos, no Rio de Janeiro. Na
época, o Ministério de Viação e Obras Públicas exigia o
pagamento de uma taxa anual de 100$000 (cem mil-réis, a moeda
brasileira de então), além de "um exame rigoroso de manipulação,
leitura de ouvido e conhecimentos teóricos e práticos sobre rádio
em geral. Podia, deste modo, receber as emissões e, à maneira dos
atuais radioamadores, também transmitir. Com a realização das
provas e o pagamento das taxas, atendia às determinações do
Decreto nº. 16.657, de 5 de novembro de 1924, regulamentando a Lei
nº. 3.296, de 10 de junho de 1917. Esta última declarava de
"exclusiva competência do governo federal os serviços
radiotelegráfico e radiotelefônico no território
brasileiro".
A
União detinha, assim, o poder concessório. No decreto, fica clara
uma idéia do rádio ainda como suporte para as comunicações por
telégrafo e telefone e como campo de experimentação científica.
No caso das estações particulares, como a de Pedro Carlos Schuck,
o artigo 53 proibia as transmissões fora do período compreendido
entre as 19 e as 23 horas. As "emissoras destinadas à difusão
pública de comunicações de interesse geral" - as rádios da
atualidade - tinham a possibilidade, no entanto, de operar durante
todo o dia, mas a difusão de anúncios e de notícias internas de
caráter político dependia, conforme o artigo 51, de autorização
do governo. |