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FEITIÇOS
E CRENDICES
Hernani
de Irajá
CAPÍTLO
V
Mediumnidade
e hypnotismo. A fôrça R. sthenica.
Uma Illustração. Magnetizadores. Irradiação nervosa?
Desdobramentos, sonhos premonitorios e a liberdade relativa.
Os
exemplos que apoiam a theoria da força hypnotica, de que o
hypnotisador não se firma apenas na suggestão, - são tantos, na
literatura dos phenomenos psychicos, de telepathia e espiritismo de
pesquisas; nas obras de hypersensitividade que os kardecistas chamam
“mediumnidade”, nos livros de theosophia, mesmerismo e suggestão
mental, - que seria impossivel aqui sua repetição.
Além
dos que já citei no capitulo anterior, trago os seguintes:
Ao
meu amigo S. A. curioso de estudar o hypnotismo, emprestei o livro
do Dr. Fajardo e dei algumas instrucções praticas sobre os
methodos mais usados.
Uma
semana após S. A. contou-me, entre contente e admirado, que havia
logrado exitos surprehendentes com os tres primeiros pacientes: um
seu empregado, a lavadeira e a engommadeira.
Mas
o melhor caso succedeu com certa moça moradora no Menino Deus, em
Porto Alegre, e namorada nova, ainda “de cerimonia” de S. A.
Esta senhorita costumava levantar-se muito tarde e somente sahia à
rua após o almoço. Certo domingo pela manhã, S. A. dirigia-se
muito cedo, mais ou menos pelas 7 horas, para uma sociedade de
tennis que ficava proxima, quando se lembrou de experimentar a sua fôrça.
Para
isto postou-se bem em baixo da sacada de sua bella e concentrou toda
a sua energia mental no desejo fortissimo de que ella surgisse à
janella.
Ficou
assim alguns minutos quando, atonito, mal acreditando ainda em seus
olhos, vê a vidraça abrir-se e a creatura querida assomar à
sacada em trajos menores, tonta de somno, cabellos emmaranhados.
Ella
debruçou-se um instante apenas ao peitoril, olhou-o e, inexpressiva
e automatica, retirou-se de novo, fechando os batentes na cara
espantada do meu amigo.
Na
mesma tarde, em palestra em uma casa de chá, ella contava-lhe meio
ruborisada que tinha sonhado com elle, “vendo-o até sob a sua
janella a olhal-a”.
O
meu conterraneo P. L. de M., dado a estudos de psychophysiologia e
autor de interessantes theorias sobre o “mechanismo-das-idéas”,
creador da interessante doutrina que explicava o pensamento como uma
força, - a força R sthenica, - seguidamente era apontado como
espirita.
Algumas
senhoras admoestadas em seus sabios sermões, diziam-n’o
occultista e chamavam-n’o até de feiticeiro, quando elle pregava
sereno e convicto no pulpito de sua parochia.
-
“Não é se transformando em baratas-de-Igreja que as mulheres
mostram a sua fé em Jesus e o seu catholicismo!”
Uma
vez vinhamos num bond quando elle insinuou:
-
Vamos mexer com aquella menina que lá está no segundo banco?
-
Sim, vamos - disse eu meio admirado de sua proposta.
-
Então fixemos o seu pescoço, para ella o coçar como se fôsse
picada por algum insecto.
Começamos
a fixar o ponto convencionado. Quasi que immediatamente a pequena
levou a mão à nuca. Baixou-a um pouco e estregou o pescoço.
Rimo-nos.
-
Eaçamos com que ella nos olhe.
Concentramos
o olhar no occiput da paciente com firme vontade de vel-a voltar-se.
A
paciente era uma “receptora” formidavel. A ordem foi cumprida
quasi no mesmo momento. Ella, voltando-se, fixou-nos intrigada.
Onde
poderia caber a suggestão nesses dois exemplos?
*
* *
Todos
nós sabemos o que vem a ser somnambulismo. As suas modalidades
communs são: a pathologica, accidental ou experimental, e a
provocada pela hypnose da qual póde constituir a terceira phase.
Não
vem a molde deste trabalho a descripção de eschemas demonstrativos
da psycho-physiologia destes phenomenos.
É
melhor narrar mais um episodio do meu já fallecido amigo P. L. de
M. verdadeiro sábio sul-rio-grandense.
Uma
raparigota de bôa familia após desgostos intimos provocados por um
máo-passo escandaloso, apresentou crises somnambulicas,
excepcionaes em interesse para a literatura medica.
Varios
facultativos procurados nada obtiveram com apparencia de melhoria
siquer.
Desesperada
a familia, pois accentuavam-se as scenas noturnas, com
emmagrecimento e fraqueza da menina, resolvera, aconselhada por
amigo commum, pedir ao padre o auxilio, senão da sua “therapeutica-secreta”,
ao menos o da religião da qual era sacerdote.
Instado
pelo reverendo amigo resolvi-me a seguil-o á casa da doente.
Poucos
minutos passavam das 11 horas numa noite quente de Fevereiro de 1919
quando chegamos.
Estavamos
aguardando a crise de noctambulismo que tinha lugar ás aproximações
da vigesima quarta hora.
A
paciente, como era de regra, deveria erguer-se, de camisola como se
achava, olhos fechados, passo duro de boneco, cabeça rigida, e
seguir para o quintal atravessando um longo corredor.
No
quintal, galgaria um muro largo e, em perfeito equilibrio, passeando
por elle, saltaria de um lado a outro do portão, o que repetia
sempre ao voltar silenciosa como fôra, para a cama.
Não
via nada, não attendia a palavras.
Os
gestos e toques tinham de ser evitados, pois contavam os sabidos que
era perigoso acordar um somnambulo.
Dez
minutos após meia-noite, os de casa avisaram-nos que ella se
levantava.
Corremos
para o quintal.
Lá
vinha a doente como um phantasma!
Cabello
solto, vestida de branco, pallida, olheiras escuras... Espectral...
Galgára
o muro facilmente pois havia trepado por uma parte em ruinas.
O
sacerdote desembrulhava um pequeno recipiente de agua-benta, quando
a attitude da moça se modificou por completo. A physionomia era de
odio. Os olhos arregalaram-se, immoveis.
A
bôcca tremeu as commissuras e falou.
Aproximamo-nos.
Os parentes benziam-se horrorisados.
Então
não nos foi possivel deixar de ouvir, dirigidas ao padre, as peióres
phrases, as mais ignobeis palavras que se possa imaginar.
De
mistura com a descomponenda, ella divulgava alguns episodios da vida
intima do religioso que ninguem conhecia. E, gesticulando
furiosamente, parecia vel-o, apezar da immobilidade do olhar
vidrado.
O
padre resava em vóz baixa. Em certo momento chamou-nos; - “Attenção
que ella vae cahir, amparem-n’a!” E seguindo ás palavras com o
gesto, chamou-a pelo nome e borrifou-a com agua-benta.
Um
pretinho gritou: - “Parece que levou chumbo grosso! “
A
somnambula transmudou-se. Expressou um ar de dôr, depois de alivio
e cahiu com um gemido, inerte, amparada por varios braços que a
sustentaram.
O
resto da noite, no seu leito, teve um somno calmo. No dia seguinte
ninguem falou do que se passára, e á noite ella, pela primeira vez
após a doença, não sahiu da cama.
Estava
curada. Jámais repetiram-se os raptos somnambulicos.
O
padre L. de M. ao despedirmo-nos, disse-me que mais tarde explicaria
o caso, segundo o seu modo de pensar.
Era
no primeiro domingo de Maio.
Desci
a rua do Rosario, passei pela da Praia, e junto aos fundos da
“Abelheira” enveredei para as dependencias da Igreja do Rosario,
onde morava meu bom e estudioso amigo P. L. de M.
Seriam
dez horas naquelle dia puro e leve. Bati.
-
Entre!
O
padre, naquelle ambiente modestissimo, estava sentado em meditação.
Uma
cadeira, a que occupava, de braços, chamada “espreguiçadeira”
era o unico signal de algum conforto ali.
Elle
mesmo entrou no assumpto.
-
“É o caso daquella menina somnambula, não é?
Bem.
O meu amigo viu tudo. Assistiu á scena culminante da quéda e
quietação ao contacto da agua-benta; viu e ouviu as imprecações
que a dormente usou e, finalmente, sabe alguma cousa da historia
anterior ao facto nocturno.
Ha
annos estudo com grande paciencia e cuidado as manifestações que
geralmente, para os leigos ou incredulos, passam por sobrenaturaes.
Dentre
ellas a hypnose mereceu-me distinctamente viva attenção.
Estudei
não só o historico minucioso e completo do hypnotismo medievo,
as exhibições magneticas de Mesmer e Puysegur, com os
caixotes e a baqueta magica, os charlatanismos geniaes de Papus e
Cagliostro, como fui além, ingressando na seára biblica, estudando
as fascinações e as magias dos pharaós, dos persas, mêdas e
chaldêos.
Verifiquei
as habilidades de Moysés, conductor de povos, senhor da
suggestionabilidade desse infantil espirito das multidões.
Analysei
os milagres de Jesus, de Pedro, de Paulo e pude, então, dissecar a
golpes de raciocinio, de logica, de sciencia, a cura dos ditos
leprosos da Judéa, dos chamados paralyticos da Galiléa e dos
chrismados lazzaros de Capharnaum.
O
don de suggestionar e de soffrer a suggestão é immanente ao homem.
A propria fé que se escóra nos dogmas, dentro do absurdismo
aberrante das seitas e postulados, é o derivado de suggestões
em sequencias magnificas de seculos.
E
admittindo, como admitti sempre, a lei das recompensas relativas na
universalidade dos mundos, pelos theosophistas denominada “Karma”,
- chego a tomar a triade das virtudes classicas por uma triplice
manifestação de suggestibilidade.
A
caridade é a melhora apparente para quem della se beneficia. Não
podemos suavisar o “karma” de quem quer que seja. Valha-nos a
illusão de que o podemos e o conforto intimo da bôa-acção.
Da
fé já falei. É o germen de todos os milagres: do bem e do mal.
Resta-nos a esperança que por si mesma já affirma a sua constituição
quasi sempre chimerica, irreal.
Todos
os homens se nutrem de esperança. E quando a consciencia nos
evidencia o mal, esforçamo-nos para a illusão, para a amnesia,
para outras esperanças, mythos eternaes de inconseguiveis
aventuras.
Mas
estou enveredando para outro curso. Voltemos.
A
hypnose provocada desde as theatrices de Charcot, antes da
celeberrima lucta da escola de Nancy com a de Salpetriêre, abrigava
tres phases classicas: Catalepsia, Lethargia e Somnambulismo. Esses
estados admittiram outros intermediarios e tambem mudaram a ordem de
collocação, vindo a lethargia para o inicio em monoideismo ou em
completo estado aideico.
Admitto
tambem, até um certo ponto, o schema classico de Grasset e concebo
uma fôrça nova R., fôrça sthenica mais completa, mais volitiva e
mais polygonal que o centro O grassetiano. Esse centro póde emittir,
como o radio, emanações que atravessam um ether X communicando-se
com os centros congeneres de outras individualidades e podendo até
actuar directamente sobre os angulos polygonaes mais afastados.
É
pela perda dessa energia raionante que os actuadores, em casos de
imposição de vontade ou de idéas, se vêem combalidos
repentinamente após esforços de concentração para agir.
(Talvez
um complemento á these defendida por Pimenta Bueno de que a acção
nervosa excitadora dos tecidos se faz por meio de uma corrente
fluidica despejada da cellula nervosa pela fibra nervosa, verdadeiro
tubo de descarga. E por que essa corrente fluida ha de parar onde
termina o nervo?
Tambem
a sensiiblidade exaggerada de certos individuos fal-os perceber a fôrça
sthenica com as fórmas identicas ás dos emmissores. Em 1876 Mello
Moraes Filho já dizia:
“O
magnetismo animal ou fluido nervoso é a electricidade negativa
animalisada, que se propaga pelos canaes tubulares ou fios nervosos,
vindo o fluido do cerebro que representa a pilha electrica ou o orgão
gerador, sendo Deus o polarisador supremo da electricidade.”
É
talvez um pouco do chamado corpo ectoplasmico. Mas o ectoplasma dos
espiritos é bem de outra origem. Não tem acção de querer e é um
revestimento, um per-espirito do corpo-animico, do fluido-vital dos
antigos.)
Pathologicamente
esse centro desarticula-se dos sub-centros sensoriaes - (polygonaes
de Grasset) - e entra a actuar independentemente, exercendo uma acção
centrifuga, motora, sobre a organisação physica, o soma, e,
recebendo insinuações externas desconhecidas. Por meios não
desvendados ainda, reacciona reflexamente de varios modos e, em
apparencia, de maneira absurda.
No
presente caso, o chóque, o trauma psychico - (escandalo, etc.) -
produziu o desarranjo, causa do somnambulismo expontaneo, seguido
daquella theatralidade então latente no subliminal.
O
noctambulismo, o pathetico das excursões nocturnas deu lugar a que
alguem alvitrasse: “um caso de possessão demoniaca”.
Tenho
ás vezes o don da presciencia, e assim utilizei-me da aspersão com
agua-benta para, dominando o desequilibrio do doente, fortalecer a
crença na religião catholica.
Bastaria
um sôpro, um gesto meu, com a exteriorisação dynamica do meu R
dominador para que a comnambula, equilibrando-se, cahisse.
Ha
alguma novidade no que acabei de expôr?”
*
* *
Bem
se póde deduzir dahi que, além da corrente telepathica conseguida
facilmente pelo padre em vista do estado de somnambulismode uma
hysterica em monoideismo estereotypado, - havia uma verdadeira
“projecção” de vibrações ainda não catalogadas
scientificamente e que agiam como irradiações poderosas do centro
volitivo de maior poder sobre o mais fraco.
Para
aquelles que só admittem na senda dessa phenomenologia o poder
apassivador da auto-suggestão, ahi ficam os exemplos descriptos que
dão lugar a alguns minutos de reflexão.
Teria
a fôrça sthenica do P. L. de M. a faculdade de se desdobrar no
tempo?
Elle
por varias vezes me dizia:
-
Vejo-me victima de um desastre de bond. Não sei porque razão
prevejo esse facto!
Com
effeito passados alguns mezes os jornaes descreviam o desastre que o
victimou.
Não
houve, então, sonho “premonitorio”. A presciencia era uma
especie de revelação de um sexto sentido.
*
* *
Exemplo
insophismavel de sonho premonitorio é o seguinte por mim já
divulgado:
Uma
tarde antes de meu “lunch” no consultorio, entrou um homem de
pouco mais de quarenta annos, magro, olheiroso, de olhar brilhante.
O consulente sentou-se na cadeira que lhe offereci e falou:
-
O meu caso prende-se, acho eu, á sua especialidade. Sei que se
dedica a doenças nervosas e perturbações mentaes. Além disso
acompanho com interesse os seus estudos sobre metapsychismo. É
justamente por isso que venho hoje procural-o e narrar um facto
incrivel que commigo se passou.
Como
eu tivesse desviado os olhos para um esterilisador em fervura, - o
homem parou de falar.
-
Póde continuar - disse-lhe eu - que o estou ouvindo com attenção.
-
Móro em S. Chirstovão e sou encarregado do serviço de signaleiro
e transito da rua Senador Furtado, atravessada por varias linhas
ferreas.
Ha
tres annos enviuvei.
Durante
a primeira quinzena do mez passado tive uma grippe forte acompanhada
de congestão pulmonar.
Quando
a febre era alta, no delirio, penso, vi minha fallecida esposa
afflicta, não tanto pelo meu estado, mas ainda por não attender eu
pessoalmente ao serviço da minha obrigação.
Pensei
em exgottamento nervoso; tive receio de enlouquecer... Comecei a
fazer injecções e tomar tonicos.
Certa
madrugada acordei em sobresalto! Ouvira, com a maxima clareza
possivel, a voz de minha mulher bem junto ao ouvido: - “Levanta-te
depressa e vigia o tranzito...”
Ao
principio tive vontade de obedecer. Vacillei... Estava depauperado,
extenuado pela doença e deixei-me ficar na cama sem, no emtanto,
poder reconciliar o somno.
Felizmente
nada houve de anormal na zona affecta aos meus cuidados. O
substituto continuava firme na observancia das ordens. Ouça agora a
parte mais interessante.
A
semana passada, quarta-feira, tive um sonho impressionante e tão
nitido como jámais imaginára. Eu estava novamente no exercicio das
minhas funcções de guarda quando inadvertidamente deixei passar a
linha um velho e uma creança. Approximava-se o rapido paulista das
9,55!...
Pretendi
tentar um salvamento!... correr, gritar, acenar... Não pude!
Achava-me petrificado. O pesadello prendia-me, soldava-me ao chão.
Despertei
pela manhã, ainda sob a fórte impressão do sonho. Estava com a bôcca
amarga, os olhos vermelhos e inchados e com uma sensação de vazio
no estomago.
Na
noite seguinte repetiu-se o sonho, mas desta feita quando socorri o
velho já era tarde: a composição decepara-lhe as pernas na parte
mais alta.
A
creança um menino loiro, vestido de marinheiro, estava incolume e
chorava abraçada ao velho que falou:
-
Faça-me a caridade de tomar conta do meu neto... Moro na rua do
Santissimo 127, estação do mesmo nome...”
Quando
a assistencia chegou, já elle tinha fallecido.
Ha
tres dias recomecei meu trabalho. Hontem á noite, é espantoso! -
realizou-se o “vaticinio” do sonho! Mas absolutamente igual,
identico á visão nocturna!
Não
sei como, duas pessôas atravessavam a linha quando ouvi o ruido do
expresso e o silvo da machina. O terror estrangulava-me a voz! Quiz
erguer-me do banco e as pernas desobedeceram! Os holophotes rasgavam
as trevas e projectavam clarões funebres...
Não
vi mais nada; o ruido das ferragens e das machinas, dominou tudo. O
comboio passára com uma rajada... Corri para o leito da estrada com
uma lanterna... Alguem gemia ao lado dos trilhos. Á luz reconheci o
velho que me surgia nos sonhos.
A
creança chorava agarrada a elle... Trajava á marinheira. O ancião
a custo levantou o braço e disse:
-
“Faça-me a caridade de tomar conta de meu neto... Moro na...”
Faltou-lhe
a voz, mas conclui:
-
Rua do Santissimo 127, na estação do mesmo nome; não é?
Elle
abriu muito os olhos, fez que “sim” com a cabeça e expirou.
Estava mutilado como eu vira em sonhos!
Não
sei se vou enlouquecer, ou se já estou completamente louco! Queria
saber a sua opinião... desejava que me aconselhasse ou dissesse
alguma cousa... Tenho pavôr da noite. Nunca mais socegarei porque a
expressão do moribundo está aqui gravada como um remorso nas
minhas retinas para sempre! Mas não quero vêl-o! Não quero!”
*
* *
Trata-se
ahi effectivamente de um extranho caso de “sonho
premonitorio”, caracteristicamente augural, dos que vêm pôr em
chéque as theorias da “liberdade individual de acção e de
consciencia”, antepondo ao decantado livre-arbitrio as sinistras
affirmações do inamovivel determinismo.
O
meu consulente, - examinei-o demoradamente -, era um homem dos que
se pódem dizer sãos.
Apenas
um tanto excitado pelo facto narrado.
Si
o futuro se desvenda, si é possivel abalar a dimensão “tempo”
ainda que seja por horas, os postulados do fatalismo dominarão os
raciocinios como thése formidanda e provada.
Acreditemos
então nas cartas, ouvindo respeitosamente os vaticinios das
cartomantes; creiamos nos chiromantes; guiemo-nos pelos adivinhos,
pelos magos que lêem na arêia e interpretam sonhos; ouçamos
convictos os necromantes que evocam os mortos e pactuam com os
espiritos subtis que moram nas sombras e gargalham sinistros,
agoureiros dentro das noites espectraes.
Haveria
portanto o inevitavel? Por que?
Quaes
as leis desse determinismo? E
se existe, absoluto e intangivel, para onde enviaremos os defensores
da liberdade de agir e de pensar?
A
culpabilidade, o máo e o virtuoso, deixarão de existir, de ser
punidos ou louvados. A propria consciencia não mais accusará,
porque virá o anniquillamento dos raciocinios introspectivos que
auto-analysa e julga. A auto-accusação daria lugar a um
philosophico - “tinha de ser!” E se na esphera premonitoria os
previdentes, os clariaudientes, conseguissem demonstrar a certeza
dos vaticinios, o mundo pereceria na hecatombe monstro de um novo cháos.
Todos
os impulsos, males, crimes, acções torpes, baixas, ignobeis, não
mais seriam sopitadas.
A
responsabilidade humana, carga pesadissima e multimillenar para nós,
deveria ruir com todos os principios do bem e do mal, da moral e das
religiões. A Fatalidade, a Sorte ou Deus, como chamem a Fôrça
incognita e dominante, seria a causa-prima das “consequencias”
universaes.
Mas
no caso relatado, houve uma tentativa para evitar o desastre. A
imagem que se apresentou primeiro durante o sonho delirante foi a da
esposa afflicta que, provavelmente - (falam os espiritas) - mais
approximada, mais em contacto com o “mundo determinador”,
procurou, para salvaguardar o merito do marido e o sacrificio do
ancião, impedir o fatalismo do esmagamento. Não teria sido ainda
resultante dessa mesma vontade “desencarnada” a repetição dos
dois sonhos ulteriores?
Mas,
se assim pensarmos, cahiremos novamente nas affirmativas dos
philosophos vigentes: - “Liberdade de agir e pensar limitada pelo
grande Determinismo kosmico”.
E
onde a affirmação da consciencia que se desfaz após a morte? E
onde os que opinam pela não actuação dos mortos nas acções dos
que vivem? Em que se alicerçam os que edificaram a lenda dos
“auxiliares invisiveis”, dos “espiritos protectores”, dos
“anjos da guarda”?
No
consolo que a esperança fortalece de crenças; no conforto de um
mundo que recompense os martyrios deste; no temor de um arco temivel
para domar os impulsos máos que nos invadam.
Tudo
é duvida; tudo é mysterio; tudo é insondavel.
Abramos
um pouco os olhos para a superstição que se póde affirmar: o
receio de incidir em factos ou obras que melindrem, agradem ou
offendam os Poderes Occultos.
Obs.:
O livro FEITIÇOS E CRENDICES, de autoria do Dr. Hernani de Irajá,
foi editado pela Livraria Editora Freitas Bastos, do Rio de Janeiro,
em 1932 e possui 193 páginas.
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