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AMÉRICA
BETTOLI DE ALMEIDA - PY5AEV
RAINHA
DOS VELEJADORES
Radioamadora de 73 anos, nascida em São Paulo, em 30 de julho de 1928,
filha de Berto Bottoli e Niva Rossi Bottoli, acompanha do seu
apartamento, no bairro Juvevê, em Curitiba-PR, as aventuras e
desventuras de navegadores brasileiros.
Mesmo morando a quase cem quilômetros do mar e só tendo entrado uma única
vez na vida em um veleiro, América é referência entre velejadores
e marinheiros de todos os cantos do mundo. “Não gosto muito de
andar de veleiro”, conta.
O negócio dela, antes de se tornar uma “expert” em radioamadorismo,
era a pesca em barcos convencionais. As provas dos seus dotes
pesqueiros estão nas paredes do apartamento, em retratos onde ela
posa ao lado de peixes como um caranho de 38 kg. que ela pescou no
início da década de 80, no litoral de Caiobá-PR.
Quando seu falecido marido, Arsênio de Almeida - PY5WAR, mais tarde
PY5ARZ, chegou, na década de 60, com um rádio em casa, América não
imaginava que aquela parafernalha cheia de botões iria transformar
a sua vida. Arsênio logo enjoou da brincadeira e foi deixando o
aparelho de lado. Passava o dia cuidando das lojas da família e
sobrava pouco tempo para bater papo via rádio. Quando alguém
tentava contato, era América que respondia. Aos poucos, foi
aprendendo a lidar com o equipamento. “Fui achando freqüências
diferentes, conversando com um aqui, outro ali. Quando me dei conta,
estava passando informações para navios mercantis”, lembra.
Conversando pelo rádio, América aprendeu a falar italiano, espanhol e
um pouco de inglês.
Na época, ainda não existiam telefones via satélite. A comunicação
com quem estava em alto mar era possível apenas pelo rádio. Entre
uma conversa e outra, os marinheiros expressavam à América a
saudade de casa ou a preocupação com um filho doente. Também
queriam mandar notícias, dizer que estavam bem, o que pelos
correios levaria alguns dias.
Comovida, América ligava para a casa das famílias dos marinheiros e as
colocava em contato, através de um equipamento que faz conexão
entre o rádio e o telefone, com os navios. Sua boa vontade foi a
salvação dos soldados brasileiros durante a guerra de Angola. Era
ela quem dava e enviava notícias das tropas pelo rádio.
Pelo feito, ela recebeu homenagens e estreitou os laços de amizade com
vários oficiais do Exército e da Marinha do Brasil. Na cerimônia
comemorativa ao regresso dos soldados da África, militares das mais
diversas patentes e suas esposas fizeram discursos de agradecimentos
à América.
Entre os episódios relatados neste dia, merece destaque o do oficial
que levou um “puxão de orelha” por ter esquecido de mandar um
beijo pra esposa. “Eu liguei pra esposa dele e coloquei os dois em
contato via rádio. Eles conversaram durante alguns minutos e no fim
da conversa o militar disse “então tá, tchau”. Eu não me
contive. Me meti no meio da conversa e perguntei se isso era jeito
de se despedir da mulher”, lembra.
A gratidão do Exército Brasileiro rendeu à América uma oportunidade
de fazer inveja a qualquer brasileiro: um convite para
conhecer Trindade, ilha paradisíaca do litoral do Rio de Janeiro,
cujo acesso é restrito à Marinha, que a utiliza para treinamentos
militares.
Cada canto do apartamento da América tem uma lembrança, esculturas,
quadros, souvenires, vasos, cerâmicas, de algum velejador que, de
passagem pelos mais diversos pontos do planeta, lembrou da amiga
radioamadora. As recordações da América não se limitam aos
presentes. Quilos de cartas, postais, fotos e cartões QSL enchem
estantes do apartamento onde ela mora sozinha. Lembranças que
remetem a lugares que América só conhece pela descrição dos
navegantes. “Fiz algumas viagens para a Europa com o meu falecido
marido, mas hoje em dia prefiro ficar em casa”, diz. E não é por
falta de convite. América já recusou diversas viagens em veleiros
de amigos, pois prefere entrar em contato com paisagens
desconhecidas sem precisar sair de casa.
Atualmente, América monitora cerca de 30 barcos, a maioria de passeio.
Entre eles está o veleiro do jornalista Marco Dottori. De dezembro
de 1998, quando partiu do Guarujá rumo à África do Sul, onde
passou 50 dias, até a sua chegada no Brasil em abril de 1999,
Dottori contou com a companhia de América para espantar a solidão.
A viagem do empresário Edson Pinto, o “Crespo”, e do engenheiro
Raul Gugelmin, que juntos passaram mais de quatro anos navegando
mundo afora, também contou com a ajuda da mãe dos aventureiros marítimos.
Embora mal saiba lidar um computador, ela domina plenamente as dezenas
de botões dos dois aparelhos de radioamador, ambos Kenwood TS450 e
de uma antena direcional TH6 Haigen de seis elementos. Foi com esse
equipamento que ela acompanhou momentos críticos da viagem de Amyr
Khan Klink - PY2KAQ pelo continente Antártico. Em 1989, o navegador
ficou sete meses encalhado entre geleiras. Encontrou nas conversas
com América o consolo que precisava. Foi ela quem batizou de
Theobaldo o leão-marinho que se tornou um dos principais
personagens das histórias de Amyr Klink na Antártica.
Eles começaram juntos na navegação, Amyr Klink no mar e América na
sua casa, em Curitiba, e hoje são grandes amigos. A admiração do
navegador pela colega radioamadora é tanta que ele faz questão da
presença da América nos churrascos que promove em casa. A distância
entre a residência dela, em Curitiba, e a de Amyr Klink, em São
Paulo, não é problema. Ele manda as passagens de avião e vai
buscar a amiga no aeroporto.
Seu trabalho, totalmente voluntário, não se limita a essas embarcações.
Nenhum pedido de velejador é ignorado. Há cerca de 12 anos, quando
ela se especializou em comunicar-se com navios e veleiros, passava
até seis horas no rádio. Problemas de saúde obrigaram-na a
diminuir o rítmo das conversas. América optou então pelo horário
em que os barqueiros fazem contato com mais freqüência, das 18 às
22 horas, todos os dias. “Esse horário é sagrado pra mim. Recuso
qualquer convite que me faça sair de casa”, diz.
Tanta dedicação lhe rendeu momentos únicos na vida, como poder
comunicar a um navegante que seu filho havia nascido ou participar
das comemorações dos 500 anos do Brasil, em Salvador. Não é à
toa que América se tornou famosa pelos “quatro cantos”, como
cita Amyr Klink em seu diário de bordo. E, se depender dela, vai
continuar sendo a “super mãe” e “querida vovó” dos
velejadores, que não economizam expressões de carinho para se
referir a ela.
Nos próximos dias 5, 6 e 7 de outubro de 2001
será realizado pela Marinha do Brasil, na Escola Naval, na Ilha de
Villegagnon, no Rio de Janeiro, o II Simpósio de Segurança do
Navegador Amador. América estará presente como convidada especial,
com todas as despesas (passagens aéreas, hospedagem, etc.) por
conta do Simpósio.
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