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O SORRISO DO PADRE LANDELL DE
MOURA
Nilo Ruschel
Vinha cansado de andanças, o Padre Landell. O fardo que carregava era
pesado demais para os seus ombros e para a época.
Corria o ano de 1904 e ele estava chegando dos Estados Unidos, onde
permanecera por três anos. E o fardo era um modesto e glorioso
embrulho, contendo os registros por êle patenteados em Washington.
Nele se encolhia uma revolução na história e no mundo das
comunicações.
A três meses de sua chegada àquele pais, já requeria, a 4 de outubro
de 1901, o registro de um dos seus inventos, o telefone sem fio, ou
seja, o rádio. Mal sabia que a comissão de investigadores do
conceituado e exigentíssimo órgão, aporia no processo um terrível
e lacônico despacho: “No model”. Haviam-lhe dito que suas
teorias eram tão revolucionárias que não poderiam ser aceitas sem
a apresentação de um modelo prático, funcionando. Foi o que
determinou a longa e penosa permanência num meio estranho, curtindo
as privações com que a pobreza costuma premiar aos gênios.
Acontece que ele havia construído os aparelhos, quando vigário na
cidade de Campinas. Levara-os a São Paulo, com eles fizera
demonstrações públicas, em junho de 1900, perante um grupo
estarrecido de curiosos, fazendo a sua voz percorrer cerca de oito
quilômetros, da Avenida Paulista ao Alto de Sant’Ana. Nesse grupo
estavam o cônsul britânico C. P. Lupton e o Dr. J. Rodrigo Botet,
que registrou o acontecimento em longo relato no Jornal “La Voz de
España”, nº. 28, datado de 16 de dezembro de 1900, o qual era
publicado na capital paulista. É preciso ler um trecho do que ele
disse então:
“Porque acompanhei passa a passo o estudo de seus inventos sobre
telegrafia e telefonia, com e sem fios; porque fui testemunha
presencial de várias experiências, todas de prodigiosos
resultados; e porque tive a honra de me ocupar do sábio e de suas
eminentes obras em dois artigos publicados em “El Diário Español”,
de São Paulo, artigos que mereceram a honra de ser reproduzidos no
Rio em o “Jornal do Comércio” (dias 10 e 16 de julho de 1900);
por tudo isto julgo-me obrigado, agora, a sair em defesa do direito
de prioridade que assiste ao benemérito brasileiro reverendo padre
Roberto Landell de Moura, no que tange à transmissão da palavra
falada sem necessidade de fios. Antes desse virtuosíssimo apóstolo
da religião e da ciência, ninguém, absolutamente ninguém, fêz
algo de prático em telefonia aérea sem cabos.”
Pois, como deveria acontecer a um homem dêsse porte, numa época tão
acanhada, houve uma espécie de rebelião dos broncos contra a ciência,
e o populacho, em Campinas, invadiu a modesta oficina do padre gaúcho,
desmantelando os seus aparelhos. Por via disso, ocorreu a demora do
cientista no país norte-americano, onde pensara ficar apenas alguns
meses. Teve de cortar no magro orçamento de manutenção, trocar
comida por peças e fios, para satisfazer às exigências das atônitas
autoridades do “atent Office at Washington”. E porque atendeu àquelas
imposições, de lá trouxe, devidamente sacramentadas, as três
famosas Patentes de invenção: nº. 771.917, de 11 de outubro de
1904, relativa ao Transmissor de Ondas; nº. 775.337, de 22 de
novembro de 1904, referente ao Telefone sem fio, e, da mesma data, a
de nº. 775.846, concedida ao Telégrafo sem fio.
Isso, assim citado, entre datas e números, coloca-nos distantes de uma
época de espantosas revelações. Para que se tenha idéia do avanço
e extensão dos conhecimentos do sacerdote porto-alegrense, é
preciso atentar para a espantosa evidência de que, já no período
em que começavam, na Europa, os tímidos sinais de telegrafia sem
fio de Marconi (1899), o padre Landell de Moura recomendava, como
consta no relatório de uma de sus Patentes, “o emprego das ondas
curtas para aumentar a distância das transmissões!” Só em 1924
o grande sábio italiano dá o célebre “passo atrás de
Marconi”, aceitando a importância da utilização daquele tipo de
ondas que ele considerara como inúteis na prática”.
Ora, o irrequieto padre, apesar de toda a sorte de adversidades,
conseguira obter uma Patente brasileira, em 1900, sob o número
3.279 “para um aparelho apropriado à transmissão da palavra à
distância, com ou sem fios, através do espaço, da terra e da água”.
Logo, seus estudos e experimentações forçosamente deveriam
remontar alguns anos atrás. Com efeito, seu biógrafo, o escritor
rio-grandense Ernani Fornari, deixou assinalado que ele fizera
experiências públicas em São Paulo, “sobraçando misteriosos
instrumentos”, entre 1893 e 1894.
Seria oportuno, até por uma atitude de civismo, que os técnicos
nacionais se aproximassem da obra do padre Landell, para perquirir
todo o significado de suas revelações. Com efeito, dizia ele na época:
“Todo o movimento vibratório que até hoje, como no futuro, pode
ser transferido através de um condutor, transmitido através de
“um feixe luminoso”; e, por esse mesmo fato, poderá ser
transmitido “sem o concurso desse agente”. Onde nos leva essa
predição? E ainda, para nosso espanto, ele assim falava: “Dai-me
um movimento vibratório tão extenso quanto a distância que nos
separa desses outros mundos que rolam sobre a nossa cabeça. “E EU
FAREI CHEGAR MINHA VOZ ATÉ LÁ.”
Era justa a canseira do nosso conterrâneo, ao regressar à Pátria. No
Rio de Janeiro, consegue uma audiência com o presidente Rodrigues
Alves, de quem solicita a cessão de dois navios de guerra, para
experiências de seu invento. Embora desconfiado, dias depois, o
presidente manda um de seus assistentes ter um entendimento pessoal
com o inventor, a fim de saber a que distância desejava ele
ficassem os navios, dentro da Guanabara. É assim que Fornari relata
a visita do empertigado oficial de gabinete:
- “Distância? Dentro da baia?... Não, doutor! Fora da baia, em alto
mar, e à distância máxima que fôr possível.
Assombro do enviado palaciano:
- Quantas milhas por exemplo, reverendo?
- As que quiserem ou puderem. Meus aparelhos podem estabelecer comunicação
com quaisquer pontos da terra, por mais afastados que estejam uns
dos outros. Isto, presentemente, porque, no futuro, servirão até
mesmo para comunicações interplanetárias...
Coube desta vez, ao oficial de gabinete, olhá-lo de alto a baixo:
- Muito bem, reverendo. Farei S. Exa. ciente do que me diz.
No dia seguinte, um telegrama muito amável da Presidência informava ao
grande brasileiro não ser possível no momento, lamentavelmente,
atender seu pedido, devendo êle, por isso, aguardar a
oportunidade...”
A genialidade do padre Roberto Landell de Moura espraiava-se em largos
setores da pesquisa, até sobrepassar os limites da curiosidade,
afrontando o “non plus ultra”.
Nas chamadas “ondas landellianas”, definindo um campo ondulatório
no espaço, sua concepção ultrapassava a emissão de sinais telegráficos
ou sonoros. Em muitas entrevistas fez sentir que nelas baseava a
possibilidade, também, “de transmitir a imagem a grandes distâncias”.
Foi também dele a afirmação, alicerçada no mesmo princípio, de,
um dia, transmitirem-se as vibrações correspondentes ao “logus”,
ou verbo mental, assim como hoje se transmitem as vibrações da
palavra falada! Não era de estranhar que lhe adviesse a fama de
maluco, de bruxo...
Admirável precursor de sistemas e de idéias, êle soube fixar, com
enorme antecipação, o pensamento da igreja de hoje. Dizia o padre
Landell:
- “Quero mostrar ao mundo que a Igreja Católica não é inimiga da ciência
e do progresso humano.”
São de Paulo VI, hoje, estas palavras:
- “A fé católica não somente não teme esse poderoso confronto de
sua humilde doutrina com as maravilhosas riquezas do pensamento
científico moderno, mas até o deseja.”
Nas manhãs frias de inverno, procurava caminhar pelo lado em que o sol
batia nas ruas, porque não possuía outro agasalho que a sotaina
rala. Trazia sempre um meio sorriso pendurado no canto da boca. Era
manso no falar, por vezes irônico, e mostrava humildade no trato
comum. Tinha, no púlpito, a palavra fácil de um cronista mundano,
onde pontilhava com humor o lado caricatural das criaturas, das
coisas e dos tempos.
O que não impedia que por vezes levantasse a voz candente e destemerosa,
jogando-se contra “os maus, os hipócritas e os falsos
profetas”.
Não tivesse funcionado, não digo mal, mas debilmente, o sangue escocês
de seus ancestrais maternos - e a Escócia se vangloria de tantos
nomes universais, nas ciências, nas letras e nas artes! (Robert
Burns, Carlyle, R. L. Stevenson, Walter Scott, Adam Smith, Hume,
Ramsay, Maxwell, Dunlop, Macadam, Graham Bell, James Watt, Alexander
Fleming, e até Alexander Selkird, o “original” de Robinson
Crusoé) muito diverso teria sido, seguramente, o seu lugar na
galeria dos grandes vultos da humanidade.
Agora que os homens falam da terra para a lua e vice-versa e que outras
façanhas são praticadas além da linha divisória da imaginação,
nas pulsações da eletrônica, sei que o padre Landell, se por aqui
andasse, cruzando a Rua da Praia em direção à sua Igreja do Rosário,
por certo esboçaria um sorriso complacente. Não pelos prodígios
do engenho humano, que já desafiam ao desconhecido; mas por uma
frase, uma simples frase com que um sábio suiço que por aqui andou
no século passado, Jean Louis Robert
AGASSIZ, em hora de rara infelicidade, assim carimbou o
Brasil: “Um País em que tudo é grande... menos os homens.”
Talvez êle sorrisse, não pensando em si mesmo, mas em Bartolomeu
Lourenço de Gusmão, em Alberto Santos Dumont.
Obs.: Matéria publicada no Almanaque Correio do
Povo, em 1970.
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Colaboração: IVAN
DORNELES RODRIGUES - PY3IDR |
email:
ivanr@cpovo.net |
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