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 UM CASO SURPREENDENTE

  

UM CASO SURPREENDENTE

 

                 O acontecimento passou-se em 1967 e refere-se a fatos acontecidos em 1942. A história envolve dois radioamadores americanos, um chamado aqui simplesmente de  Bob cujo nome desconhecemos, o outro, o autor do texto, é o W4NXD J. Michael Blasi. O nome do primeiro é omitido por razões que logo os leitores entenderão .

            Diz Michael que numa tarde de verão estava no “shack “ se livrando de algumas sucatas que o importunava a tempos, quando recebeu um telefonema de Bob  W4... que o convidava para ir visitá-lo e ver seu novo receptor. Michael diz também no texto, que não era muito íntimo de Bob, mas o tinha como um bom companheiro, não recusou o convite e 25 minutos mais tarde estava no “shack “ do amigo.

            Tão logo Michael chegou, Bob serviu bebidas geladas e depois começaram a conversar enquanto o anfitrião preparava o seu cachimbo. Havia um forte entusiasmo nesse último, o que fez que a visita desconfiasse de que não era somente  um receptor o motivo daquele encontro . E tinha razão . O dono da casa foi logo explicando o seu notado estado de ânimo e disse :

            “Michael, essa semana eu vivi uma grande emoção. Algo que me fez voltar a memória  fatos que aconteceram a vinte e cinco anos atrás e sobre os quais eu nunca tinha falado a ninguém. Escolhi você por ser o colega com quem mais me relaciono dentro desse hobby e pela certeza de que você poderá contar a outros, com reserva de meu nome, pois, apesar de todo o tempo passado, não quero ser associado nominalmente com esses fatos.  Penso também que hoje ninguém esquentaria a cabeça com isso e, portanto,  somado aos acontecimentos dessa semana, desejei fortemente narrar o acontecido a alguém.  Você é um jovem companheiro e certamente não sabe que antes da guerra as atividades de DX eram bem diferentes.  Na época , a grande cobiça era o Diploma WAZ Worked All Zones, e a Ásia era a grande dificuldade. Eu mesmo cheguei a construir uma antena rômbica , orientada para o Tibete, para tentar contatar  com o AC4YN, o que nunca consegui. Por outro lado, fiz vários contatos com estações do Japão, que na época, não eram numerosas quanto agora e curiosamente  todas tinham o indicativo começando por JA. Assim meu caro, os asiáticos eram verdadeiras figurinhas, tanto pela distância, quanto pelo pequeno número de operadores.

            Toda essa festa acabou com o advento da guerra. A maioria dos operadores treinados no rádio, como eu, foram engajados nas forças armadas. Antes de que pudesse contar até dez, estava dentro de um navio no Pacífico Sul. E foi lá que, no fim de 1942 ou início de 1943, tive o primeiro contato com o inimigo. Estávamos um dia cerca de uma pequena ilha, a mais ou menos cinco milhas de distância, e vínhamos observando pelo nosso rádio que dali deviam partir os sinais que informavam todo o movimento de nossas embarcações. Nosso comando resolveu então mandar um grupo de observadores e eu, um dos mais bravos, ou dos mais tolos, me apresentei como voluntário. Seríamos três nessa operação. Entretanto, quando estávamos atracando nosso bote de borracha numa das praias da ilha, os meus dois companheiros cortaram-se gravemente nos corais e ficaram incapacitados para a ação. Ficariam na praia até serem recolhidos pelo pessoal de bordo . Eu então resolvi que, mesmo assim, tentaria fazer uma inspeção naquelas matas. Dizendo que voltaria dentro de uma hora ou duas,, saí caminhando no sentido do interior da ilha. Esta tinha uma área muito pequena, realmente.

Estimei que não tivesse mais que uma milha quadrada,  e portanto o contingente inimigo que imaginávamos ali alocado não deveria exceder a cinco homens.

            Tinha caminhado uma meia milha, quando me deparei com o cenário que esperava. Lá estavam , esticados entre as palmeiras, vários fios e isoladores. Eram, sem dúvida, uma rede de antenas e estavam alimentadas por linhas abertas tipo escadinha. Segui cuidadosamente uma dessas linhas e logo, silenciosamente , me aproximei de uma cabana de bambu onde identifiquei um operador com o seu equipamento de rádio em cima de uma pequena mesa. Tudo funcionalmente arranjado. Estive a observar durante algumas horas e não apareceu mais ninguém além do jovem marinheiro que  lá já estava. Então, concluí que talvez pudesse realizar a operação sozinho. Tínhamos vindo até ali , para se possível, expulsar todos os inimigos de Tóquio, e se o inimigo era um só homem eu deveria tentar. Arrastei-me para um barranco onde, ficando acima e próximo da cabana, eu poderia saltar sobre o operador assim que ele saísse do posto para esticar as pernas. Fiquei ali por cinco horas e já estava achando que ele nunca se aproximaria daquele ponto, quando finalmente a oportunidade aconteceu. Ele havia saído da cabana sem nenhum armamento, tinha se aproximado de minha posição como eu queria. Saltei às suas costas e no momento que ia cravar a baioneta em seu corpo , ele se vira atônito e eu agora com os olhos na região de seu abdome onde pretendia empurrar o metal, percebo que ele tentava se proteger com um livreto que tinha nas mãos. O livreto que ele tinha nas mãos era um exemplar da revista QST e eu, ao invés de terminar meu intento, resolvo por compulsão falar, e pergunto.... Qual seu indicativo ?  Ele com dificuldade me diz :  JA2......

            Baixei as armas e dei meu indicativo também. O momento tinha características de demência de ambas as partes. Nós nos conhecíamos via rádio. Tinha feito mais que duas dúzias de contatos com ele em CW nos 20 metros, em anos passados.  Como poderia eu matar um companheiro cujo cartão QSL estava pendurado na parede do meu shack . A estória parece louca mas, foi exatamente  assim  que  aconteceu. Iko era seu nome e naquela noite conversamos muito e ele me disse que naquela manhã estaria desmontando a estação e que um submarino viria buscá-lo . Conversamos por mais todas as horas que sobraram e falamos principalmente das atividades de DX. Pela manhã, ajudei-o a colocar os equipamentos dentro de seu bote e nos despedimos com um aperto de mãos e um 73. Vi-o pela última vez, remando lentamente para mar aberto onde o submarino o esperava. Antes de zarpar disse-lhe que após sua partida eu dinamitaria a cabana, o que não gerou nenhum comentário. Alertei-o também que certamente o futuro imediato não seria muito fácil, o que gerou um sorriso minguado em nós dois.

            Pois bem meu caro Michael, na ilha não aconteceu mais nada que mereça ser contado. Resta somente o fato que eu ganhei uma medalha por bravura nessa operação . Havia destruído sozinho uma estação rádio do inimigo, a qual era muito incômoda para nossas atividades. Mas o que quero realmente lhe contar é que essa semana eu operei novamente a estação JA2...... e era o mesmo Iko de 25 anos passados, e não nego, uma forte emoção sobreveio a esse seu amigo. Os fatos realmente não foram tão maus para mim e para meu amigo da ilha. E gosto de lembrar essa situação paradoxal que, mesmo entre inimigos, há muitas coisas que são superiores à própria guerra “ .

 

  

Colaboração: Dirceu PY5IP


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