Por Dirceu Pivatto da Silva – PY3IT* em JULHO/1992
Talvez o título deste artigo não seja o mais adequado, por levar o leitor, provavelmente, a pensar em ficção científica.
Mas ele é verdadeiro! Daqui a oito anos já estaremos vivendo o 3º Milênio da Era Cristã.
Consciente desta realidade e por acompanhar, tão de perto quanto possível, o desenvolvimento atual, meus pensamentos começaram a aproximar duas variáveis: EVOLUÇÃO TECNOLÓGICA – RADIOAMADORISMO, e gerar as ilações correspondentes.
Comecei por comparar o Radioamadorismo atualmente praticado com aquele do início da década de 30, quando foram criadas as principais associações de radiotransmissão, quando foi construída a figura do radioamador, como a ponte entre o desespero pelo contato e a solução salvadora. Num mundo tecnologicamente quase mudo, ele era a efetiva caixa de ressonância dos pedidos de socorro. Esta figura cresceu e se impôs aos seus semelhantes, por toda a face da Terra, com histórias sem-fim, de sua dedicação, da sua persistência, da sua abnegação, de seus conhecimentos de rádio a serviço do ser humano.
O protótipo do radioamador, assim tão justamente cultuado (graças ao bom Deus!), foi gerado a partir de dois fatores básicos:
– A necessidade imensa de contatos entre pessoas altamente necessitadas, nas mais variadas regiões; e
– A descoberta do emprego das ondas de rádio, começando pela Telegrafia e desembocando na Fonia.
Despertado para a Radiotécnica, o radioamador embrenhou-se pela senda deste conhecimento, ligado a uma estrutura associativista revestida de profundo sentido humanístico e social.
Colocava ao alcance dos isolados, dos perdidos, aquilo que dispunha e sabia manejar: “Uma máquina de se comunicar” movida por um coração desejoso de servir.
Durante anos a fio este modelo foi válido e o radioamador, com ele, buscou evoluir, mas o fez sem se aperceber, apenas, na variável tecnológica (Radiotécnica).
Por sucessivas décadas, as comunicações evoluíram lentamente, usando a voz ou o Código Morse com o acompanhamento dos radioamadores, que cresciam em seu número, estudando alguns, outros pesquisando, poucos e raros fazendo novas descobertas, mas aproximando-se uns dos outros, levando prontamente a informação onde ela se fazia necessária.
Assim, o comportamento do radioamador ponteava, de forma prática e operacional, o que a tecnologia lhe oferecia de mais avançado, ano após ano, e a despeito de alguns que insistiam em permanecer com a tecnologia que dominavam e com a qual estavam já acostumados.
A chegada do sistema de transmissão SSB – Single Side Band, em substituição ao AM – Amplitude Modulada, é o mais claro exemplo do que estou a me referir e que afetou apenas a variável tecnológica do Radioamadorismo. Os radioamadores novos, que ingressavam naquela ocasião, o fizeram pela porta do SSB enquanto que muitos dos antigos continuaram insistindo no AM (alguns até hoje!).
A novidade do Código BAUDOT – no RTTY (Radio Teletype) – empregando 5 sinais ao invés de 2 da Telegrafia, como também o AMTOR, são exemplos de resistência à chegada de novas tecnologias. As novidades estavam ofertadas mas poucos foram os radioamadores que a elas se integraram. No Radioamadorismo, todavia, sempre existiram os grupos de vanguarda. É importante aqui assinalar que as mudanças acima citadas ocorreram no segmento da tecnologia e seus impactos não trouxeram maiores estragos à atividade.
Hoje, é o sistema de Packet Radio que está sacudindo o radioamador, principalmente porque é operado a partir da conjunção RÁDIO-MICROCOMPUTADOR-MODEM. Esta novidade, no meu entender, vai atingir o cerne, não da tecnologia operacional do radioamador mas sim de sua tipologia, de suas finalidades.
Assim, nesta histórica caminhada, o próprio modelo do servir quedou-se relativamente estacionário, talvez em razão da lenta evolução tecnológica. Mas…
No costado do rádio surgira, também no início deste século, outro instrumento para o qual o radioamador jamais dedicou qualquer atenção e que, no entanto, viria, no futuro, abalar sua tipologia, sua majestade.
Refiro-me ao telefone.
Atualmente, com a disponibilidade dos DDD e DDI é mais fácil falar com alguém em Tóquio do que realizar a mesma proeza via rádio, nos 20 metros, com toda a propagação favorável.
Com a monumental proliferação dos terminais telefônicos e a presença, cada vez maior, dos satélites, a “necessidade” de utilização do rádio “para servir” está diminuindo… diminuindo…
Entretanto, o impacto que afetou mais profundamente o Radioamadorismo não foram os já citados, nem o próprio transistor surgido no pós-guerra, que permitiu grande avanço tecnológico. Foram os CI, os Circuitos-Integrados, os populares “chip” a grande descoberta que se seguiu ao transistor… E dentre os Circuitos-Integrados o mais formidável é, sem sombra de dúvida, o microprocessador – a alma dos microcomputadores.
Há muitos anos atrás, em artigo para o nosso saudoso “Minuano”, afirmava que o microcomputador estaria, muito breve, no “shack”, ombreando com o microfone.
Se as comunicações telefônicas atuais abalaram o sentido do Radioamadorismo, o microcomputador e a teleinformática colocarão, já antes do início do 3º Milênio, aquela clássica tipologia de Radioamadorismo, em algum museu.
Aí está o problema!
A maioria dos radioamadores está praticando um modelo de Radioamadorismo que não se amolda à evolução tecnológica, está em descompasso com ela. A tendência disso será a marginalização, se insistirmos neste “status quo”, se não aderirmos ao estado-da-arte do rádio, se não estudarmos, se não ingressarmos a fundo na Informática.
Desde 1982 uso, em minhas palestras de administração, uma expressão que serve para os radioamadores:
“O profissional que não aderir ao microcomputador cairá em Quadro Extinto”.
Passados 10 anos, vejo o quão profética era esta afirmativa.
Há uma dificuldade para o ser humano aceitar a evolução, pois ela costuma matar, destruir, arrasar com o que já estamos acostumados, com aquilo em que sempre acreditamos e temos por certo que é imutável.
Este artigo busca conscientizar a todos colegas radioamadores, como eu, para o modelo de Radioamadorismo, para a forma de fazer-rádio, que ainda estamos praticando, que já não tem mais lugar nos dias de hoje e muito menos o terá já nas primeiras décadas do próximo século (e milênio), mesmo considerando que nada venha a ser inventado em seguimento ao Circuito-Integrado, o que é totalmente ilusório. Precisamos mudar… urgentemente!
Em razão, talvez, da falta de maiores informações, de conhecimentos técnicos, de recursos materiais, grande é o número de radioamadores que não aceitam os “novos tempos”.
Sua resposta é a expressão – “isto não é Radioamadorismo”. Não estão conscientes de que, assim procedendo estão, naturalmente, condenando esta atividade ao imobilismo, ao descrédito total.
Os dois fatos adiante narrados confirmam isto.
Em 1989, no Rancho do Radioamador Gaúcho realizado em Ijuí, RS, em minha palestra sobre “Um Shack Incrementado”, quase fui agredido quando mostrei a impressionante presença da Informática nas atividades radioamadorísticas. Quem lá esteve, deve lembrar deste episódio, do desespero dos despreparados para as mudanças que estavam chegando.
Numa entrevista técnica, apresentada pelo Grupo de Radioamadores G9+, após um QTC da LABRE/RS, o apresentador era interrompido a todo o momento por radioamadores inconformados, que berravam: “Isto é uma barbaridade!… Isto não é Radioamadorismo!… Querem destruir o Radioamadorismo!” Estavam desesperados e nem declinavam seus indicativos. Lembram deste fato?
Mas passemos para a parte mais difícil deste trabalho: Conversar sobre o Radioamadorismo do futuro.
É muito difícil alguém escrever sobre acontecimentos futuros, porque falta o principal: As novas descobertas que trazem, em seu bojo, a força da mudança. Mesmo assim, com a devida vênia, arriscarei alguns palpites em função da projeção do que hoje é o estado-da-arte em nosso campo, lembrando que o Radioamadorismo, naturalmente, é parte de um contexto evolutivo maior.
Aspectos Gerais:
– A sociedade moderna ainda não percebeu o furacão de mudanças que a Teleinformática imporá ao comportamento humano.
– Empurrado pela avassaladora presença da Teleinformática, o que restar do nosso praticado Radioamadorismo surgirá em nova forma.
– Revistas técnicas tipo QTC, 73, CQ, QST, AN-EP e outras, chegarão aos radioamadores-assinantes, em seus “shack”, via modem, digitalizadas e em belíssimas cores, tal como os jornais da época, que não serão mais em papel.
– As LABREs deste Novo Mundo serão grandes Bancos de Dados, com:
– registros completos de seus associados;
– vasto volume de informações técnicas;
– Concursos centrados nas INFORMAÇÕES;
– amplas informações sobre a área que administram;
– Bibliotecas eletrônicas em CD-ROM e seu sucedâneo;
– Correio eletrônico – 24 horas disponível;
– Departamento eletrônico de ofertas/aquisições.
Tudo automático.
Esplendidamente administrado, quem sabe, por 2 pessoas.
– Telegrafia? Fonia? RTTY? AMTOR? Packet? Os clubes de tradição não deixarão morrer o que nossos ancestrais e nós mesmos, hoje, fazemos.
A tipologia do radioamador:
– Em razão dos altos custos, imensa variedade de equipamentos e da amplitude das operações radioamadorísticas, ressurgirão, em novo modelo, e com força total, os Clubes de Radioamadorismo, onde cada membro é uma parte importante para o funcionamento da entidade.
Antes de se inserirem no contexto, são treinados em cada tipo de operação.
– A antiga figura ao radioamador, pronto para “estourar”os mais difíceis QTC, deverá dar lugar ao do Gerador e Administrador de Bancos de Dados, altamente especializado, e de cunho social e educacional. Ele será um catalogador de informações que, orgulhosamente, disporá para o mundo inteiro usufruir.
Um exemplo:
Você aprecia orquídeas? O colega VU7XX, das Is. Laccadive, dispõe de um volume tão grande de informações sobre o assunto que você nem em 5 anos será capaz de esgotar. Está à sua disposição, gratuitamente, 24 horas por dia. Use o Correio Eletrônico dele para contatar com outros orquidófilos, sejam ou não radioamadores (via modem-telefone).
Outro exemplo:
Seu QTH é rural? E interessado em vacas holandesas? Precisa saber algo muito especializado e que você desconhece?
Coloque seu problema no Correio Eletrônico da LABRE Nacional. PY6UUU tem um Banco de Dados sobre o assunto e tem a resposta para o seu problema. Não perca, agora, esta conexão.
No Campo Tecnológico:
Bem, aqui a coisa fica mais difícil de expor. Mas, vamos lá.
– As antigas (atuais) transmissões em Fonia serão feitas na língua do emissor e recebidas na língua do receptor. Isto é, falo em Português no meu rádio e meu colega russo me recebe em sua língua e/ou dialeto. As dificuldades por desconhecimento da língua terão desaparecido.
– Contatos em padrão “free error”, mesmo em Fonia, serão a regra em qualquer comunicado.
– Complexas redes de satélites estacionários, geradores de Camadas de Reflexão, funcionarão também, com antenas para os contatos radioamadorísticos.
– Gigantescas, complexas e eficientes redes de “Packet Radio” ou seu sucessor evolutivo, estarão montadas e administradas por grupos de radioamadores.
– Os equipamentos serão em sistema “plug in” onde a simples substituição de um componente ou placa já o habilita para novas atividades.
– As conexões em fibra ótica darão aos equipamentos uma durabilidade e confiabilidade invejáveis.
– As estações de Radioamadorismo estarão no ar tempo integral e operadas em sistemas BBS – Bulletin Board System ou seu modelo evolutivo.
– Cursos e treinamentos, do que sonhar, estarão ao seu alcance, na ponta de seus dedos, ofertados por radioamadores do mundo inteiro.
Esta é a análise que há muito tempo me propusera realizar.
Sempre um compromisso ou outro resultavam em adiamentos.
Tenho a medida do quanto este trabalho será combatido e até execrado. Seguramente é para estas pessoas que estou escrevendo. Escrevi justamente para aqueles que não me aceitaram em Ijuí-RS, que se revoltaram com a Palestra Técnica do Grupo de Radioamadores G9+; para aqueles que, convidados, nunca foram a uma Conferência da LABRE/RS; para aqueles a quem mandamos, mês após mês, os Mapas de Propagação Ionosférica e nunca sequer acusaram o recebimento; para aqueles que, insistentemente convidados, nunca compareceram aos Encontros Radioamadorísticos da Fundação para o Desenvolvimento de Recursos Humanos – FDRH; para aqueles que, convidados, também não apareceram ao Seminário de Teleinformática; que, convidados para as palestras técnicas na SOGIPA, nunca lá se fizeram presentes mas que, com certeza, após lerem este artigo, dirão para seus pares:
“O artigo do Pivatto? … um monte de asneira”.
PORTO ALEGRE-RS, JULHO/1992
*Dirceu Pivatto da Silva – PY3IT faleceu em 09 de janeiro de 2000. O radioamadorismo perdeu um de seus extraordinários, ativos e laboriosos representantes.
Colaboração: Ivan Dorneles Rodrigues – PY3IDR (SK)
Imagem meramente ilustrativa da Nasa